Nos últimos tempos tenho-me preocupado essencialmente com a temperatura da água do mar e se há vento ou não. Mas não pude deixar de reparar entre o turbilhão de “faits divers” (que hoje é imagem de marca do nosso jornalismo) nas notícias sobre as reuniões de accionistas do BCP.
Segundo percebi existe um senhor chamado Teixeira Pinto e outro Jardim Gonçalves que se digladiaram até ao fim para fazer valer as suas ideias sobre o futuro do banco. Ambos pertencem à Opus Dei, mas aparentemente o primeiro criou “algumas ondas” (desculpem mas ainda estamos em época balnear). Como resultado o poderoso Jardim Gonçalves manteve a sua posição garantida pela fidelidade dos seus acólitos e o mais jovem e com ideias menos ortodoxas foi borda fora.
Pelo que me foi dado a constatar estavam em discussão duas formas de entender os negócios em geral e a banca em particular. De acordo com a visão meramente económica o BCP como banco privado pertence aos seus accionistas e estes quando investem o seu dinheiro querem que o seu investimento renda, mas isso é o que nós pensamos reles depositantes e provavelmente accionistas.
Contudo o mundo dos negócios, tal como a sociedade portuguesa, está dominado por senhores feudais que disputam os seus poderes e contam os seus homens e armas. Aqui o que interessa é a fidelidade e vassalagem que se deve ao senhor e isto numa estrutura fortemente hierarquizada que é a Opus Dei. O que interessa é o poder e o domínio. O superior hierárquico manda e os outros obedecem jesuiticamente (salvaguardando as devidas distâncias); criam-se grupos ou estratos de categoria diferenciada, quais cortes senhoriais sujeitas a outras cortes de cada vez maior importância. Criam-se e dão-se empregos a pessoas que estejam fortemente “endoutrinadas” neste sistema e assim se vem perpetuando esta sociedade podre em que vivemos.
Digo isto porque já no século XVII Duarte Gomes Solis chamara a atenção para os problemas que se viviam no comércio. Solis escreveu livros e deu pareceres, tentando por todos os meios fazer ver ao rei que as sociedades comerciais só fazem sentido se os lucros forem distribuídos de acordo com o dinheiro investido e não em função da categoria social ou dos privilégios detidos por cada um. Foi tudo em vão e assim as companhias comerciais inglesas, holandesas e até mesmo as francesas floresciam enquanto as portuguesas nunca passavam da cepa torta. As companhias portuguesas quando tinham lucro em vez de reinvestirem o dinheiro no desenvolvimento das próprias companhias e na sociedade entregavam a quase totalidade dos lucros aos accionistas sem que se respeitasse o princípio da retribuição na proporção do investimento, dinheiro esse que servia unicamente para demonstração do poder, da nobreza e da fidalguia pelo investimento em roupas luxuosas, jóias, festas e outras trivialidades.
Hoje, tal como ontem, instituições como o BCP, mas não só, o mando não é necessariamente proporcional ao capital investido, o mesmo se passando com as retribuições financeiras do investimento, havendo accionistas de primeira, segunda e por aí fora, sem que isso tenha qualquer relação com o investimento.Em pleno século XXI continua quase tudo como no século XVII. Os lucros, as decisões, os empregos são apanágio de determinados grupos e indivíduos cuja única preocupação é o poder. Quem não se sujeitar é descartado, pois o que interessa é gente que pense pouco e obedeça bem, mesmo que isso leve ao suicídio duma empresa e à castração duma sociedade.
segunda-feira, setembro 03, 2007
Não aprendemos nada...
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7 comentários:
Paulo Teixeira Pinto abandonou a Opus Dei recentemente.
Confio na revista Sábado que diz estar a prelatura da Opus a avaliar a sua saída até final deste ano. Ainda não vi nenhum desmentido oficial desta notícia. Mas o que eu disse no texto é que quem causa ondas é despejado do navio e isso viu-se na sua saída obrigada do BCP. Aparentemente a sua saída da Opus Dei foi comunicada pelo próprio à dita organização que para fazer valer a sua importância e poder ainda não lhe deu resposta.
"Não aprendemos nada..."
É claro que aprendemos! A lição é não confiar em ninguém.
Pat
O pior é que não podemos estar sempre a desconfiar de tudo e de todos pois dessa forma damos todos em maluquinhos e a sociedade deixa de funcionar. Claro que devemos questionar tudo, mas também se deve acreditar que os jornalistas quando escrevem coisas tão importantes como estas devem ter confirmado as suas fontes de informação pois é esse o seu trabalho e a sua obrigação. Claro que existem sempre umas ovelhas ranhosas, mas isso é normal e são facilmente identificáveis imediatamente ou passado algum tempo.
A mentalidade fascisóide e pidesca é que nos tornou neuroticamente desconfiados, mas algum dia iremos ultrapassar isso.
Fantástica a construção do texto, particularmente feliz pela comparação histórica.
Parece contudo, meu querido Flávio, que os ânimos aqui também não vão famosos... pois se tudo sempre se repete, não inventaremos nós caminhos de esperança aonde se construa diverso futuro?...
Beijinhos
Maria
Maria
claro que se podem inventar caminhos de esperança. Solis e outros tantos fizeram-no e fazem-no, mas existe sempre uma altura em que se precisa dos que estão no sistema. É então que os caminhos se transformam em veredas e travessias do(s) deserto(s).
Pois Flávio, mesmo essas veredas e travessias do sistema não serão incontornáveis. Se acreditarmos que são então nada resta senão a desilusão e a amargura. Importante é definir estratégias...
Beijinhos
Maria
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