Quem escreve na blogosfera não está a escrever tratados sobre os assuntos que aborda, daí haver muita ligeireza, asneira, falácias e há mesmo até quem se dedique mentir de forma mais ou menos descarada. Tirando uns quantos profissionais, quem escreve fá-lo por gosto e tomando tempo a outros afazeres, contribuindo frequentemente para a baixa da produtividade nacional, razão esta que deveria ser suficiente para o Governo erradicar de vez este mal da sociedade portuguesa.
Mas vem este texto a propósito de outra coisa; vem a propósito duma reflexão que fui novamente obrigado a fazer por me ter fiado numa notícia veiculada por um órgão de comunicação social a qual se veio a revelar pouco rigorosa.
Publiquei aqui um comentário acintoso à posição comum das confederações patronais sobre o quadro de revisão do código do trabalho e respectiva regulamentação baseado unicamente na notícia que a TSF dele deu e no que ouvi do próprio Primeiro-Ministro na mesma rádio.
Depois de escrito e publicado, acabei por ver noutros sítios as reacções ao mesmo texto das confederações patronais. Dum modo geral quem se deu ao trabalho de comentar manifestou o mesmo desprazer que eu, embora a maior parte com melhor estilo e argumentação. No meio destes aparecia no Incontinentes Verbais um alerta para a deturpação da notícia e dava a ligação para o documento integral.
Depois de já em tempos me ter sentido na obrigação de me retratar por comentários apressados feitos sobre notícias falsas (ou pelo menos oficialmente desmentidas) que circulavam na Internet e na comunicação social, senti-me de novo em risco de ter faltado à verdade ou de ter sido injusto e fui reler as notícias e ler o documento (sim, li-o todo! há quem faça destas coisas inúteis).
Basicamente a notícia da TSF é verdadeira. Afinal a notícia em causa é sobre uma pequena passagem num longo e entediante documento de 17 páginas, documento esse que, ao fim e ao cabo, acaba por não trazer nenhuma novidade àquilo que tem sido defendido nos últimos anos pelas entidades que o produziram. A novidade está de facto na passagem sublinhada pela TSF.
«Torna-se», diz o texto na dita passagem, «necessário rever o quadro constitucional vigente.
Assim e desde logo, o artigo 53.º da CRP onde se consagra a garantia da segurança do emprego e a proibição dos despedimentos sem justa causa (ou por motivos políticos ou ideológicos)».
Ora diz o referido artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa:
«É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.»
Como muito bem se refere no mencionado texto de Incontinentes Verbais, a passagem limita-se a seguir de perto o texto constitucional acrescentando entre parêntesis «ou por motivos políticos ou ideológicos» como quem diz que não é esta a matéria que quer de ver excluída da Constituição, mas tão somente o que está fora dos parêntesis.
Só que o documento do patronato não apresenta qual a redacção que daria ao artigo 53.º revisto. Uma omissão que possibilita todas as leituras desse texto já de si ambíguo.
Ora, quem ler todo o documento dos patrões verá que a sua redacção é cuidadosa, sistematizando e enunciando claramente o que se pretende mudado no quadro legal presente. Só o item em causa é que contém várias ambiguidades.
É que lendo a passagem acima citada e o artigo 53.º da CRP não se vislumbra como possa ser revisto para corresponder às expectativas do patronato.
O artigo 53.º tem três elementos distintos: 1) segurança no emprego, 2) proibição do despedimento sem justa causa e 3) por razões políticas ou ideológicas.
A primeira hipótese interpretativa que coloco é a eliminação simples do artigo 53.º. Se a redacção do documento do patronato tivesse sido essa duvido que alguém reparasse que com isso também se eliminaria a impossibilidade do despedimento por razões políticas ou ideológicas. Aliás este artigo até parece ser redundante, já que parece haver na CRP outros que salvaguardam o que neste se pretende garantir. Mas não é isso que aparentemente se propõe.
No parágrafo do documento do patronato que introduz esta questão – e antes de todas as outras – propõe-se a revisão do quadro constitucional vigente, para, no parágrafo seguinte, se dizer «Assim e desde logo, o artigo 53.º...» . Não há outras prioridades, tem de ser esta.
Quer-se garantir a segurança do emprego? Não, pois é exactamente o contrário que nas 17 páginas se propõe.
Quer-se proibir os despedimentos sem justa causa? Talvez, mas não é bem isso que se propõe, quer-se mesmo uma redefinição e concretização desse conceito, tornando-o mais abrangente e estendendo-a a situações que estão muito longe do espírito da Constituição.
Quer-se proibir os despedimentos por motivos políticos ou ideológicos? Não sei. Confunde-me bastante a leitura o incluir-se na proposta desta confederação o despropósito «(ou por motivos políticos ou ideológicos)».
Trata-se duma falha na redacção? Então não haverá outras no mesmo texto?
Sendo lapso, não será do documento ser retirado da discussão, reformulado e revisto, sendo depois novamente apresentado ao público? Ou trata-se duma lança em África?
Dadas todas as implicações que documento pode ter, a notícia da TSF deveria conter mais desenvolvimentos e isso evitar-me-ia a perda de tempo numa leitura tão penosa, afinal é para isso que servem os jornalistas: digerir e sintetizar a informação. Dou nisto o benefício da dúvida à TSF e não quero pensar noutras coisas.
Depois desta leitura e subsequente reflexão fico mais descansado. Apesar de não ter estado na posse de toda a informação relevante a minha opinião inicial mantém-se.
1 comentário:
Olá Metralhinha,
É isso mesmo, ou como dizia, logo abaixo, o nosso amigo Flávio, não se podem descurar " as investidas a valores " que já tínhamos por consagrados e assentes no ideário democrata...
Gostei de vê-lo .
Um beijinho
Maria
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