Depois de duas horas de intensíssima formação, onde foram ensinadas as mais recentes técnicas de venda telefónica e adestradas todas as especificações técnicas do produto a vender – amplamente documentadas em cinco molhos de fotocópias de fotocópias – os candidatos a televendedores são submetidos a um exame das competências que tão destramente ministradas foram por uma experimentadíssima profissional do ramo.
Na prova que determinará a admissão ao almejado estágio de quinze dias dos candidatos à nobre profissão de telefonar para casas particulares naquele preciso momento de introspecção em que todos aproveitam para enviar um fax para a Tunísia ou então à hora em que o caldo está no lume a aquecer e as crianças berram, pulam e esperneiam gastando as suas últimas energias e as réstias de paciência dos adultos, a examinadora, a mesma criatura recém-saída da puberdade que provera tão expedito curso, faz o papel da incauta vítima a quem se vai impingir a banha da cobra, enquanto que o candidato se esmera para demonstrar como é bom na arte de vender pentes a carecas nos cinco segundos que a maioria dos contactados reais leva para fazer uma alusão à conduta sexual duvidosa da mãe do vendedor antes de desligar o telefone.
Detentora de dilatadíssima experiência, possuidora de ambição tão arrogante quanto a pedantice que a falta de bom chá na infância faculta, a examinadora dá largas à alarvidade ao condenar um candidato por não usar a sacrossanta expressão «Senhora Dona» no seu fictício discurso de vendedor, usando em vez disso a elementar mas insidiosa locução «Senhora».
De imediato emerge a prepotência longamente reprimida perante os superiores hierárquicos, seus arquétipos comportamentais, e instantaneamente o pobre candidato se vê chumbado e afastado da possibilidade de auferir o ordenado de consultor de empresa pública que lhe estava garantido caso a prova fosse bem sucedida: 3 €/h líquidos (três euros líquidos à hora, cerca de 600$00) mais 2.68 € de subsídio de almoço que não pode ultrapassar os 15m/d (quinze minutos por dia).
Embora não pareça, esta história é na sua essência verdadeira e há quem trabalhe em Portugal por este valor. Um valor que nem o maior negreiro defensor do salve-se quem puder tem a ousadia de oferecer à sua mulher-a-dias.
Na prova que determinará a admissão ao almejado estágio de quinze dias dos candidatos à nobre profissão de telefonar para casas particulares naquele preciso momento de introspecção em que todos aproveitam para enviar um fax para a Tunísia ou então à hora em que o caldo está no lume a aquecer e as crianças berram, pulam e esperneiam gastando as suas últimas energias e as réstias de paciência dos adultos, a examinadora, a mesma criatura recém-saída da puberdade que provera tão expedito curso, faz o papel da incauta vítima a quem se vai impingir a banha da cobra, enquanto que o candidato se esmera para demonstrar como é bom na arte de vender pentes a carecas nos cinco segundos que a maioria dos contactados reais leva para fazer uma alusão à conduta sexual duvidosa da mãe do vendedor antes de desligar o telefone.
Detentora de dilatadíssima experiência, possuidora de ambição tão arrogante quanto a pedantice que a falta de bom chá na infância faculta, a examinadora dá largas à alarvidade ao condenar um candidato por não usar a sacrossanta expressão «Senhora Dona» no seu fictício discurso de vendedor, usando em vez disso a elementar mas insidiosa locução «Senhora».
De imediato emerge a prepotência longamente reprimida perante os superiores hierárquicos, seus arquétipos comportamentais, e instantaneamente o pobre candidato se vê chumbado e afastado da possibilidade de auferir o ordenado de consultor de empresa pública que lhe estava garantido caso a prova fosse bem sucedida: 3 €/h líquidos (três euros líquidos à hora, cerca de 600$00) mais 2.68 € de subsídio de almoço que não pode ultrapassar os 15m/d (quinze minutos por dia).
Embora não pareça, esta história é na sua essência verdadeira e há quem trabalhe em Portugal por este valor. Um valor que nem o maior negreiro defensor do salve-se quem puder tem a ousadia de oferecer à sua mulher-a-dias.
2 comentários:
Já estivemos mais longe de ter que pagar para trabalhar e ainda ficar com cara alegre...
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