Uma Família Normal, o brilhante texto de João Rato, retirou-me do torpor mental em que me encontro e levou-me a escrever sobre um assunto de que há uns meses tenho vontade.
Tudo começou com uma declaração do inominável César das Neves por alturas da campanha para o referendo sobre a IVG – texto que entretanto não mais consegui referenciar.
Terá dito o referido professor de economia que por este andar qualquer dia também se ia permitir a poligamia, entre outras doutas considerações e exemplos do mesmo género. Para além de ficar a saber por dedução que na escala de valores do ilustre senhor o direito fundamental à vida fica atrás normas sociais como são as que regulam o matrimónio, tomei então consciência de que para muita gente o casamento só pode assumir uma forma: heterossexual monogâmico e vitalício.
Ora, se o casamento há muito tempo deixou de ser tido como uma instituição obrigatoriamente vitalícia, só agora se começa a questionar a faculdade de também poder ser entre pessoas do mesmo sexo, mas ainda são poucos os que avançam para a possibilidade de este não ter de ser necessariamente monogâmico. Contudo quando se pensa em não monogamia pensa-se que o seu inverso é a poligamia, ficando sempre de fora a eventualidade da poliandria e isto talvez por as duas primeiras serem as formas mais frequentes de relação matrimonial – a primeira mais do que a segunda, é certo.
Numa sociedade de pessoas verdadeiramente livres qualquer uma destas relações matrimoniais tem de ser aceitável, desde que prevaleça sempre o princípio da igualdade, da liberdade e do respeito mútuo entre as partes. Prevalecendo estes princípios, não é legítimo à sociedade negá-los a quem assim quiser viver.
A monogamia e a poligamia eram as formas mais fáceis de gerir a propriedade e a descendência em sociedades patriarcais; já a poliandria funcionava melhor em sociedades matriarcais. A poligamia e a poliandria, por seu lado, tinham a desvantagem de afastar do casamento os géneros excedentários, os quais eram quase sempre os mais desfavorecidos em termos económicos. Estas desvantagens não estavam presentes na monogamia, pois esta garantia a todos os géneros o acesso ao género contrário eliminando potenciais focos de inúmeros conflitos.
A vulgarização do divórcio nas sociedades monogâmicas e sequentes casamentos dos divorciados veio introduzir uma instabilidade na sociedade que as sociedades agro-pastoris não tinham, e esta nova sociedade acabou por lidar muito bem com a situação, ao contrário do que muitos dos que se opunham pensavam e prediziam.
O mesmo se passará quando se permitir a união de pessoas do mesmo sexo e quando se permitir a poligamia e a poliandria.
Já agora, e pela mesma lógica, porque não permitir policasamentos a quatro a cinco, envolvendo várias pessoas e não havendo só uma dum sexo e as outras do outro? Para este tipo de relações, e sem mais reflexão, o léxico começa a ser curto.
Sendo o casamento um contrato, esse contrato deverá explicitar bem as regras, podendo ser renegociado de comum acordo entre as partes. Trata-se duma burocratização duma vivência na dimensão em que sempre o foi, mas este tipo de relações também sempre existiram sem casamento, mas isto é levar a discussão para um outro plano.